Vanessa Yosioka Collacio26 de novembro de 2022
8Minutos
Já começo esse artigo dizendo que relutei ao iniciá-lo com esse “como” em seu título. Acredito que tudo que se propõem a dizer “como”, deve de fato dizer, clara e objetivamente… como. E esse “como” deve ser assertivo a ponto de fazer sentido a diversas realidades de pessoas que dedicam seu precioso tempo de atenção.
Então, como se preparar para o futuro? Se não vislumbro ou imagino quais serão as mudanças e os cenários que encontraremos? E quais horizontes temporais devo considerar? Daqui um mês, um ano, dez anos? Quais “áreas” da vida? Somente a profissional, intelectual, material? Ou também a pessoal, afetiva? Se é que dá para separá-las… particularmente creio que não.
Assim, adianto que esse artigo não vai apresentar respostas (e provavelmente você terminará essa leitura com mais perguntas do que quando a iniciou), mas prometo apresentar alguns questionamentos que venho me fazendo sobre o tema, especialmente a partir das minhas experiências cotidianas na docência. Afinal, para que serve ensinar e aprender senão para se preparar para possíveis futuros (no plural), sejam eles daqui a pouco ou a longo prazo?
Como toda produção de conhecimento relevante para futuros inicia no compartilhamento de informações, creio que minhas reflexões podem contribuir e sugerir possíveis caminhos, dadas as limitações de tempo, espaço, recursos e contexto.
Contexto
Talvez essa seja a base dos desafios que temos quando se fala em algo que ainda não aconteceu.
Podemos nos basear no já vivido, no que estamos vivendo agora, mas não podemos deixar de levar em consideração que é uma visão limitada, visto que percebemos e lidamos com situações a partir da nossa história de vida e de nossas perspectivas e pontos de vista.
Creio que a essência dos desafios quando se fala de evolução – desejo inerente quando se fala em se preparar para o futuro – reside nisso: contexto. Será que o que estamos considerando hoje será relevante no futuro? As circunstâncias serão as mesmas? Provavelmente não.
Portanto, dadas as inevitáveis limitações, como eu, você e cada um, na sua realidade, poderia se preparar para futuros incertos?
A pergunta de milhões.
Entendo que ideias que importam devem sempre partir da relação da teoria com a prática.
Assim, a partir de alguns estudos sobre tendências, educação e desenvolvimento de pessoas, colocarei minhas percepções pessoais.
Habilidades
Estes estudos mostram basicamente que, de agora em diante, mais valem habilidades do que uma cabeça cheia de informações. Com criatividade, inovação, liderança, gestão emocional, colaboração, comunicação, pensamento crítico (dentre tantas outras que provavelmente boa parte dos leitores já devem saber), podemos operar qualquer tipo de informação e navegar em quaisquer mares, sejam eles os mais turbulentos.
O que pouco se fala é que essas habilidades não são simples de se desenvolver e, dada sua relevância pela quantidade de autores falando sobre o tema, merecem mais seriedade do que meros discursos vazios e vendas de cursos que surfam na onda dos modismos e, ao fim e ao cabo, muito pouco agregam.
Dada a relevância do tema, merece estudo, métricas, senso crítico, avaliação.
O segundo ponto é que essas habilidades são consideradas competências cognitivas complexas, estando relacionadas a operações mentais relativas ao topo da pirâmide das principais taxonomias. Ou seja, para “chegar ao topo”, é preciso subir todos os degraus anteriores de conhecimentos básicos, algo ainda não conquistado pela maioria da população brasileira.
O terceiro ponto é que, além das competências básicas prévias, todas essas habilidades, sem exceção, exigem um domínio essencial: a autonomia do pensamento. Ou seja, a passagem da heteronomia para o pensamento autônomo.
Fruto de uma Educação cartesiana e disciplinar, fomos treinados a não relacionar as coisas, tampouco a confiar nos nossos próprios meios de encontrar soluções para nossos desafios. A resposta – pronta e acabada – sempre esteve fora de nós.
Para completar, surgiu a Internet, com seus estímulos de informações infinitos e instantâneos que não nos permite o tempo, a parada para questionar, praticar e refletir, para conectar pontos e desfazer nós. Inovação, criatividade e senso crítico são consequências do respiro.
Assim, antes de falar em futuros e evolução, é preciso dar um passo para trás e levar a sério gargalos ainda não resolvidos quando se fala de desenvolvimento de pessoas. A partir daí é que podemos subir mais um degrau na escala do progresso que almejamos para futuros desejáveis.
Produção de sentidos no presente: a base da construção de futuros
Como já dito, lidamos com situações novas a partir do nosso repertório presente e de nossas atitudes e mentalidades. É assim em todo processo de desenvolvimento humano, desde bebês até agora. Só compreendemos as coisas ao nosso redor se tivermos na nossa estrutura cognitiva algo que seja similar ou se relacione em alguma medida com esse elemento novo.
Desde pequenos, quanto mais diversidade, profundidade e riqueza de experiências vivemos, maior será nosso repertório informacional. E consequentemente, mais aptos estamos a lidar com os desafios no presente e no futuro.
Esse repertório se torna ainda mais fortalecido quando vivências que poderiam ser só casualidades são transformadas, intencionalmente, em experiências que tenham significado.
Significado. Creio que reside aí a espinha dorsal das principais dificuldades contemporâneas: um mundo de excesso de vivências e de informações, mas pobre de significado. Pobre de sentido.
Identificação do problema. Ação. Repetição. Modificação. Diferenciação. Abstração.
É assim que crianças, instintivamente e ainda confiantes no seu próprio modo de pensar, “estudam” a realidade. Não na perspectiva de se preparar para o futuro (já houve um tempo que não tínhamos essa ansiedade), mas para compreender e dominar o “aqui e agora”. E mais: pelo encanto com o processo e pelo prazer da descoberta e dos sentidos criados.
E esse processo não muda muito com o passar do tempo. A diferença é que adultos (além de serem movidos por intenções outras que não o mero prazer pelo processo, possuem capacidade de agir em situações que englobam múltiplos fatores (inclusive, subjetivos), podendo operá-las de forma intencional, planejada, transformando o que seriam meras vivências sem sentido em experiências com significado. Em descobertas que podem ser úteis para o presente e para possíveis futuros.
Desenvolvimento de pessoas para futuros incertos
Desenvolver percepções a partir do “aqui e agora” e criar condições para extrapolar o aqui e agora.
Provavelmente o que motivou boa parte de vocês a começar a leitura desse artigo foi o desejo pela descoberta de algo além da sua própria realidade. Fruto de um fascínio contemporâneo em descobrir “o segredo”, “a fórmula”, “o método rápido e infalível” que eu, você e todos nós – não educados a confiar e valorizar nossa jornada, nossas conquistas até agora e nosso próprio modo de pensar – perseguimos na busca de futuros melhores.
Mas provavelmente assim como eu, muitos de vocês já perceberam que não há segredos. Nem atalhos. Não há como dizer “como ser ou fazer isso ou aquilo” porque cada um parte de um ponto diferente da jornada. E mira um destino. Cada contexto é único.
Assim como eu disse no início, creio que ideias que importam são construídas a partir do diálogo da teoria com a prática, com a vida real. É na realidade de cada contexto que residem as oportunidades de produção de sentidos únicos.
É na realidade de cada contexto que estão os problemas ainda não solucionados que, dadas sua devida importância, irão fortalecer nossas capacidades e repertório intelectual.
É na realidade de cada contexto que estão as possibilidades de investigação e entendimento do cenário atual, criando situações fictícias que nos desafiem e hipóteses de intervenção a partir de situações similares já enfrentadas, referências externas e diferentes pontos de vista.
Gosto de dizer que não há cozinheira habilidosa e preparada para atender diferentes paladares só lendo as receitas. Uma boa receita é a base, mas é preciso praticá-la, buscar outras referências, combiná-las, testar novos ingredientes, modificar as panelas, o método de cozimento, estar aberta a falhas e identificar as causas, aguçar os sentidos e produzir novos sabores (e saberes!). Não há atalhos, preciso fazer a lição de casa.
São os desafios no presente – reais ou simulados – matéria-prima para o desenvolvimento de habilidades para futuros que estão por vir. Se nos dispusermos a refletir e agir sobre eles confiando no nosso modo de enxergá-los e em nossa capacidade de autoria de caminhos possíveis para superá-los estaremos, no presente, “pensando fora da caixa”, criando, inovando, liderando, fortalecendo nossa autoconfiança e responsabilidade. Não há fórmulas rápidas nem linha de chegada. Há pequenas conquistas diárias. O segredo está na constância.
Uma coisa parece inquestionável: não basta mais transmitir a informação, dizer “é assim, ou assado”, como operou a Educação até então. Porque tudo muda. A todo momento.
Assim, quais aprendizagens são essenciais para que, independente da situação, eu saiba lidar com ela? E como desenvolvê-las?
Aprendendo a pensar, trocar, sentir, criar.
Máquinas operam com objetividade, pessoas com subjetividades.
Máquinas compreendem e aplicam a partir do dito. Pessoas imaginam a partir do não dito.
Máquinas captam as linhas. Pessoas as entrelinhas.
Máquinas entendem o texto. Pessoas sentem o contexto.
Se o futuro é incerto, quanto mais treinarmos nossas habilidades essencialmente humanas, mais preparados estaremos para não só lidar com qualquer situação, mas agir sobre elas e transformá-las em futuros, incertos, mas ainda melhores.