Gardeners’ World, uma instituição no Reino Unido, está em sua 54ª temporada

Steven Kurutz, The New York Times – Life/Style

01 de abril de 2021 | 05h00

O programa de televisão Gardeners’ World, uma instituição no Reino Unido, está em sua 54ª temporada, tendo estreado em 1968. É transmitido nas noites de sexta-feira e é visto pelos telespectadores como um gentil início do fim de semana.

Monty Don, britânico que escreve sobre jardins e autor de mais de 20 livros sobre o assunto, é o apresentador desde 2003. Se a aparência robusta e a voz profunda e tranquilizadora de Don não confortam o público, há a presença constante dos cães cochilando aos seus pés.

NYT - Life/Style (não usar em outras publicações).Monty Don, o jardineiro nacional da Grã-Bretanha, em seu jardim de dois acres. Foto: Francesca Jones / The New York Times

No ano passado, ao longo da temporada de 33 episódios, que acompanha a estação de crescimento que vai de março ao fim de outubro, algo notável aconteceu: Gardeners’ World deixou de ser uma atividade confortável para se tornar um programa indispensável.

Com restaurantes, bares e teatros fechados, e com o risco da socialização em casa (ou em qualquer outro lugar), a jardinagem foi uma das poucas atividades de lazer que a pandemia não eliminou. Tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos experimentaram um aumento substancial da jardinagem no ano passado, com o crescimento da venda de sementes e viveiros esgotados nos fins de semana. A julgar pelo aumento de 30% nas vendas da Scotts Miracle-Gro, este ano promete outra safra abundante.

Gardeners’ World, que está disponível nos Estados Unidos em serviços de streaming no BritBox e no YouTube, tem sido visto com entusiasmo. No ano passado, a audiência semanal foi a maior em cinco anos, e a BBC, que exibe o programa (produzido pela BBC Studios), considerou-o uma transmissão de serviço público essencial, segundo o produtor executivo Gary Broadhurst: “É por causa do que a jardinagem pode fazer pelas pessoas. O canal pensava, e com razão, que as pessoas precisavam do programa. Como fomos bombardeados com notícias sobre o coronavírus, ele oferece uma oportunidade, por apenas uma hora, de obter algum alívio.”

Sintonizar a cada semana para ver os narcisos e as campânulas surgindo e as hortas suspensas de Don surgindo de forma exuberante e abundante no alto verão foi uma verdadeira contraprogramação: a vida continua. O canto dos pássaros que inicia cada episódio foi um antídoto para o trauma do noticiário noturno. Em suma, Gardeners’ World se tornou um oásis de normalidade, bálsamo para acalmar os nervos – e não apenas para os espectadores britânicos.

Alisha Ramos, que escreve o boletim Girls Night In, revelou que, quando a ansiedade aumentou no ano passado, foi atrás de algo para se acalmar. Ela tentou aplicativos de meditação, mas faltava um componente de narrativa. Foi quando ela encontrou o Gardeners’ World.

Ramos estava morando em um apartamento no centro de Bethesda, em Maryland, sem nenhum espaço verde, e nunca tinha feito jardinagem, mas foi instantaneamente atraída. “Toda noite, antes de dormir, eu deixava um episódio passando na tela. A maneira como os episódios são construídos é muito agradável. Até os sons: o chilrear dos pássaros, a chuva. Esses elementos naturais realmente me acalmavam.”

Don, de 65 anos, apresenta o Gardeners’ World de sua casa, que tem um jardim de um hectare chamado Longmeadow, em West Midlands, na Inglaterra. No episódio 1 da última temporada, nada foi falado a respeito da covid-19. No episódio 3, o Reino Unido iniciou um bloqueio forçado e Don, que passou a gravar sem uma equipe, recebia as dicas de câmera do diretor via Zoom.

Enquanto seus coapresentadores visitam as exposições de flores em Londres e os jardins paisagísticos imaculados de grandes propriedades rurais, Don coloca as botas na lama em Longmeadow para reparar uma cerca ou desenterrar as tulipas acuminatas que ele plantou no jardim de flores. No fim do programa, Don deixa algumas tarefas de fim de semana para os espectadores. Vestindo suéteres de lã esticados e um velho casaco azul de trabalho, ele é um ícone de estilo improvável – um tipo sólido.

“Os pingos de neve estão chegando, os acônitos, os açafrões, as íris. Estamos começando a ver botões e brotos nas árvores e nos arbustos”, disse Don em fevereiro. Ele conversou por chamada de vídeo, de Longmeadow, onde o inverno muito chuvoso estava quase acabando; ele e os jardineiros que o ajudam estão cobrindo as bordas com folhagem seca e limpando algumas cercas vivas atingidas por pragas.

Don estava ansioso pela chegada da primavera – e com ela seu retorno ao Gardeners’ World. “Particularmente depois deste inverno. Foi um inverno longo e difícil aqui. As pessoas estão muito deprimidas e cansadas. Por isso, elas querem respirar novamente, sair de casa, ter essa sensação de esperança”, observou ele.

Ao passo que a covid-19 alterava a produção do programa na última temporada, Don e seus colegas decidiram, na maior parte do tempo, não falar da pandemia; apenas mencionaram “tempos desafiadores”. Enlouquecer as pessoas era o trabalho dos noticiários. O Gardeners’ World reforçou o poder terapêutico da jardinagem.

NYT - Life/Style (não usar em outras publicações).Açafrões no campo de críquete no jardim de dois acres de Monty Don; o programa “Gardeners’ World” e Don, sua estrela, tem sido um bálsamo para os nervos em frangalhos por conta da pandemia. Foto: Francesca Jones / The New York Times

O programa causou comoção quando abordou a covid-19 de frente. Incapazes de viajar para filmar, os produtores pediram aos espectadores que compartilhassem vídeos do que estavam fazendo no jardim durante a quarentena. Uma família de Utah plantou um prado de flores silvestres no quintal; uma jovem no País de Gales cultivou abóboras e as disponibilizou para quem quisesse. Os vídeos conectaram os espectadores em um momento de isolamento social e mostraram a criatividade e a resiliência dos jardineiros.

Um dos trechos mais comoventes foi uma visita a Kate Garraway, conhecida apresentadora de televisão. O marido dela, Derek, contraiu a covid-19 em março passado, adoeceu gravemente, ficou internado no hospital durante meses e continua em estado grave até hoje. Sentada em seu quintal em Londres, Garraway explicou como ela e os filhos plantaram um jardim na esperança de que Derek voltasse para vê-lo florescer: “Você não planta algo a menos que acredite que vai dar certo. Por isso, plantar um jardim e acreditar que Derek vai vê-lo quando estiver viçoso nos dá uma sensação de futuro.”

Refletindo sobre o segmento de Garraway, Don comentou: “Tenho idade suficiente para saber que, se você estiver em luto, se estiver sofrendo, se tiver tido alguma perda, o jardim é um consolo.”

Os pais de Don cultivavam um terreno de cinco hectares na casa da família no sul da Inglaterra e, na infância e adolescência, ele e os irmãos eram incumbidos de trabalhos de jardinagem. Quando menino, ele não gostava de arrancar as ervas daninhas do morango ou de cortar lenha, mas, aos 17 anos, enquanto plantava algumas sementes na primavera, Don teve o que chamou de “momento dionisíaco”: “De repente, fiquei deslumbrado, tive uma espécie de êxtase, de felicidade total. Um sentimento completo – eu não queria mais nada.”

Felizmente, sua esposa, Sarah, que ele conheceu na Universidade de Cambridge, também gostava de jardinagem. Em 1981, o casal abriu uma joalheria, a Monty Don. Suas peças espalhafatosas se tornaram moda durante os anos 1980; foram usadas pela princesa Diana, por Michael Jackson e outros. Don levou uma vida glamorosa em Londres, vestindo as próprias joias e saindo com Boy George. Ele e a esposa também cultivavam um jardim atrás da casa deles na cidade.

No início dos anos 90, a economia afundou e, com ela, o negócio de joias do casal. Afundados em dívidas, com três filhos pequenos para sustentar, Don e a esposa venderam tudo que tinham para pagar aos credores. Ele entrou em uma depressão profunda. Anos mais tarde, Don ainda carrega as cicatrizes desse fracasso financeiro, revelaram amigos dele à revista Prospect no ano passado. Apesar de ter se tornado o jardineiro nacional do Reino Unido, ele trabalha demais e nunca se acomoda no sucesso.

Don e a família deixaram Londres e se mudaram para Herefordshire, o condado mais rural da Inglaterra, porque a mãe de sua esposa morava lá e o terreno era barato. A casa histórica e o terreno que compraram estavam em péssimo estado. Don se dedicou a criar Longmeadow; em certo sentido, era tanto seu local de trabalho como seu santuário. Não é um jardim formal, comedido, mas repleto de plantas, características e ideias, uma tela para sua imaginação e seu entusiasmo.

Ele começou a escrever colunas sobre jardinagem para jornais, aparecer na televisão e publicar livros, muitos deles centrados na vida em Longmeadow. Como jardineiro apaixonado, mas amador, Don se conectava com aqueles que compartilhavam o mesmo interesse, mas que se sentiam intimidados pelo que pode ser uma fixação em se tornar um especialista.

No Gardeners’ World, Don enfatiza a função, a utilidade e a sustentabilidade. Ele mostra que não é preciso comprar tesouras de poda de US$ 200 ou memorizar o nível de pH. Trata-se de celebrar a harmonia, o bem-estar e a riqueza da vida que se encontra em um jardim. “Você planta uma semente e na próxima primavera ela vai crescer. E vai florescer no próximo verão. E talvez no próximo outono dê frutos. Essa continuação da vida é muito poderosa.”

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